Noite

Saí da sala abafada e fui à varanda para fumar um cigarro no fresco da noite. Falando a verdade, a noite tinha entrado sem licença na madrugada. Só se ouvia a canção dos grilos, como quem quer quebrar o silencio de quem dorme.

Ali na varanda, a única luz que havia era da ponta incandescente do cigarro, uma leve brisa fresca empurrava para longe a linha fina do fumo e olhei para o céu negro pejado de estrelas cintilantes. Foi então que a vi, vermelha e enorme...uma meia Lua cortada no céu, vestida de vermelho. Pensei nela como sempre penso sempre.
A representação mais digna de uma mulher.

As diferentes faces que se mostram, as suas disposições no pano de fundo de um céu aberto, mesmo que por vezes... se esconda por detrás das nuvens.

Nas noites que se veste de prata, cheia e plena na certeza da sua feminilidade, da sua natureza fértil, ilumina os amantes, oferece inspiração aos poetas e dá luz aos perdidos na escuridão.

Desde  tempo que o ser humano se colocou de pé,que reparou na tua forma e cor, que sentiu a tua presença constante e protectora na escuridão da noite, te tornaste deusa, mãe e farol dos caminhos. Viram como te transformas, como no decorrer dos dias mudas de forma e te deram o justo espelho de mulher.

Chamam-te de Ísis, Diana, Hecate... a  Ishtar  da Suméria te usava como espelho das suas emoções, e fascinas como há milhares de anos todos os mortais que pisaram este planeta.
Os cientistas te estudam, os astrónomos focalizam-te em aparelhos, sempre procurando descobrir teu lado oculto. Seguem teus passos, quando de noite, te encontras com o teu oposto e teu complemento, numa união que ainda maravilha : Eclipse.

Descobriram que teus fenómenos não se ficam pela forma e pela cor, mas que surpreendes todos quando no mesmo mês apareces duas vezes cheia, assim te chamam de Lua Azul.

Quando enfurecida, vingativa então te chamam de Lua Vermelha, colaram em ti os dogmas dos espíritos maus, das desgraças dos deuses e da tua suposta sede de guerra e sangue.

Os tolos ainda não perceberam que tal como as mulheres, a Lua não é previsível, que se transmuta em formas e cores, se vela e se mostra, desaparece quando precisa e que volta com a força que tem. Os tolos não percebem, que só porque mostras a tua face, que  por isso tudo conhecem, e apenas suspeitam o que guardas no teu lado oculto da vista.

Lua Nova, donzela, inocente e pura. Lua Cheia, mulher plena e fértil. Lua Minguante, a anciã que guarda  a sabedoria, que cuida e cura, que ensina.

Cada mulher é a tríplice Lua : Nova, Cheia e Minguante. Menina, Mulher e Anciã.

Me despedi de ti, depois do cigarro apagado há muito, de os braços começarem a ficar gelados e de ter ficado hipnotizada durante tanto tempo a te olhar. Mas despedi com um "até depois" porque a certeza maior é esta: posso não estar presente amanhã para te ver, mas sei que vais comparecer ao teu lugar como sempre.
Digna de ti e com as tuas facetas.

Rakel


PS. Como simples curiosidade, vale a pena saber que, a Lua tem um ciclo de 28 dias, tal como o ciclo menstrual normal de uma mulher. Interfere com as marés e com a nossa própria índole, pelo simples facto de sermos feitos de 70% de água. Por causa de todos esses factores, interfere com as datas de nascimentos. Não tendo luz própria, reflecte a luz do Sol, portanto, num eclipse, a sombra que vemos escurecer a sua face, mais não é que a sombra da terra tapando a superfície lunar. Isso quer dizer que não é um eclipse verdadeiro, apenas quando a Lua se coloca entre a Terra e o sol é que se faz o verdadeiro eclipse.

Apareçam.