A Caixa


Na Rue de Bonneleau, a nordeste da cidade, há uma loja que passa desapercebida à maior parte das pessoas. Sua fachada nada revela de importante, com duas janelas altas e a porta dupla de madeira, é tão banal como qualquer outra loja ou habitação da rua.

No alto da porta a tabuleta anuncia o nome deste peculiar espaço : Toujours - sempre- como se o tempo se esticasse, continuasse sem uma linha finita. Sempre.

Ao entrar, invade-nos imediatamente o cheiro de madeira, canela, incenso e couro, um cheiro de conforto e de aconchego. Com uma iluminação quebrada pelas cortinas pesadas, o ambiente se torna calmo e convidativo para uma visita. Isabelle, a dona de Toujours, de idade indefinida,  está sempre ao balcão, com um sorriso no rosto e uma informação pronta à qualquer pergunta.
Ao olhar à volta da loja, vemos as estantes cheias de livros e álbuns, os clássicos convivem harmoniosamente com TinTin ou Asterix, encadernações trabalhadas junto com capas comidas pelo tempo... todos em pé de igualdade.

Os nossos passos são abafados pelos tapetes que cobrem o chão de madeira polida. Pedaços multi-cores de fios entrançados, orientais e ocidentais... uma caçada ao tigre ao lado de um florido Nain...um pesado Beauvais amortecendo os sons e dando mais conforto ao ambiente.
Num aparador juntam-se vários frascos vazios de antigas fragrâncias, aromas que já se acabaram mas deixaram como testemunho o brilho do cristal e as formas originais de pequenas peças de arte antiga. A luz filtrada da loja, jogada em cima dessas peças translúcidas fazem na parede um pequeno arco íris de cores pastel. Um arco íris dentro de portas...

Entrando mais na loja, misturam-se vários estilos de móveis, como se alguém tivesse andado por todo mundo recolhendo de cada lado uma peça de lembrança, um souvenir. Em cima de uma cadeira de balanço, um velho cesto de pic nic guarda cartões postais e cartas antigas, histórias de outros lugares de outras pessoas que vieram parar nas mãos de Isabelle. Mas cuidadosamente colocados em um local em que, apenas quem se interessa por velhos amores e notícias passadas pode dar o seu valor.

Três degraus nos separam de uma nova ala desta loja, onde a música é quem manda e toma o espaço. Pilhas de Cds ao lado de escaparates repletos de vinil, 72, 45 e 33 rotações. Caruso, Bowie, rock, baladas e óperas. Grafonolas, giradiscos e uma grande Hi-Fi com botões cor de marfin. Um piano de cauda, dois violinos e um violoncelo parecem esperar pelos ouvintes de sempre, pelos aplausos e gritos de "Bravo!!". Uma Fender encostada com alguma negligencia na parede parece chamar um velho trompete para algum improviso.

Continuando a andar pelas salas cobertas de memórias e lugares parece que o tempo realmente parou, e que estas peças inanimadas continuam mesmo assim vivas, poderosas pelo facto de já terem sido de alguém e carregando com elas a essência de quem as possuiu. E na última sala, as paredes cobertas de estantes e prateleiras sustentam um sem fim de adornos e estatuetas. Pratos decorativos, caixas de jóias, caixas de rapé esmaltadas... e lá no canto mais alto da estante à esquerda, se olhar bem, verão uma pequena caixa de prata.


Com gravuras desenhadas de rosas e jasmins, embora um pouco enegrecida pelo descuido, pode-se ver que antes era uma caixa de uma beleza simples. Ao abrir a caixa, vemos uma bailarina que se ergue, estática na pose de uma dança que não se concluiu. Uma caixa de música. O espelho está partido e meio embaciado, a bailarina no seu movimento parado na ponta de um só pé está descolorida. O tule do tutu está amassado e precisando ser trocado. A chave que faz rodar o mecanismo que faz com que a música comece e a bailarina dance se perdeu... Ao pegar na caixa ouvimos o som inequívoco de engrenagens soltas, peças fora do lugar...

Talvez um dia, na Toujours entre alguém que ande pelas salas cobertas de lembranças, que procure algo especial e delicado... e veja esta caixinha. E tomara que esse alguém, tenha a paciencia e a coragem de com algum tempo e trabalho trocar o espelho, vestir um novo tutu na bailarina e que encontre a chave que faça-a de novo dançar ao som dessa melodia que ninguém sabe qual é.



Um conto da Rakel.

Apareçam

Comentários

  1. uma loja assim, parece-me interessante. um espaço personalizado. espelho de quem a idealizou e depois a tornou realidade.

    Vai ser assim? Irá abrir uma loja diferente para que um mundo de pessoas diferentes? E as pessoas indeferentes, encontrarão aí algo que as faça mudar? ...

    Onde ficará a Toujours?.... Que rua geminará a Rue de Bonneleau?...

    Quando será?...

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  2. ....isso kerias tu saber não é?? ;)

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  3. ó pá...pois... Eu gosto de novidades!Mas como não ando a cuscar por aí à procura delas, não me ralo. :)
    É mesmo por gostar de lojas, de coisas giras, de fazer de um dia qualquer, um dia de azafama tipo Natal. E uma loja assim, despertou-me interesse.
    Ok, é uma história mas se passar à realidade, a menina avisa o pessoal que por aqui passa :)

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  4. Aviso pois...podexá ke a gente manda até convite!

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