Tentando colocar em ordem um armario que foi negligenciado por algum tempo e tentando em vão encontrar lugar para acomodar meus livros, encontrei um saco esquecido. Um daqueles sacos de loja, bem gordinho de conteúdo. Dei uma olhada lá dentro e encontrei toda a minha correspondecia até ao advento da Internet.
Sentei no chão, abri o saco e fui passando cada maço, que já anteriormente havia dividido por anos, e fui passando a vista pelos nomes, anos e assuntos. E parei no tempo. Foi um momento Zen muito especial.
Olhei para nomes de amigos e amigas, uns que continuo a ter notícias, outros dos quais perdi o rastro, nomes com cara, voz e maneiras de ser. Abri algumas, tornei a ler as suas alegrias, os objectivos e algumas tristezas. Na minha cabeça, como num filme, ia dando a voz para cada autor, e via também o sorriso. Foi bom, mas também um pouco triste.
Li as cartas do meu médico, aquele que sabia da minha existencia desde que eu "morava" na barriga da minha mãe. Que depois quando cresci, foi meu médico, o meu primeiro Ginecologista. Me lembro do dia que fui lá no consultório dele despedir-me, eu vinha morar para Portugal. Lembro dele com os olhos humidos, do sorriso terno e daquele abraço. Dele jamais vou me esquecer. Morreu faz algum tempo, mas acredito, que se estivesse vivo continuaria a me escrever.
Depois abri as cartas da minha companheira de maluquices...das suspensões no colégio, das conversas filosóficas e das conversas carregadas de sarcasmo e ironia. E isso tudo continua ainda hoje, pois é das poucas que ainda me escreve, pois se recusa a usar a net como meio de conversação.
Depois peguei num maço bem grade de cartas: envelopes coloridos, gordinhos e muito interessantes. A minha irmã. Abri algumas cartas, ri-me muito, pensei nelas e vi o quanto a minha maninha mudou até agora. Foi ela que me empurrou para o mundo do teclado e da Internet. E de tanto insistir me meteu na blogosfera.
Ela dizia que eu escrevia bem e que deveria publicar (é preciso dar um desconto pra ela, afinal é irmã né?), e foi assim que me peguei em grandes papos no Messenger, com muitas gargalhadas e discussões. Muitas fotos trocadas, muita música passando de um lado pra outro e muitos segredos, ali jogados na tela do PC.
E depois lembrei do carteiro. Uns anos atrás, eu morava num rés do chão, numa casinha com quintal, onde eu tinha as minhas flores e plantas que adorava, e o meu carteiro era especial. Ele batia na minha janela da sala pra entregar as cartas na minha mão. Ele dizia que gostava de ver a minha cara quando eu recebia uma carta, principalmente quando eram das coloridas. Expliquei que eram da minha irmã, mas que todas as cartas pra mim são especiais. Menos as das contas, essas , me deixam com falta de ar, mão no peito e de cor azul. Ele riu muito e disse-me que ia sempre entregar as cartas em mão, até porque a minha caixa do correio deixava passar a água da chuva. E não é que ele pedia, quando ia de férias, pros colegas dele entregarem as cartas também na minha mão?
Não malta, o carteiro não era um Xavier Barden ou um Johnny Depp, longe disso, nem eu sou uma Eva Mendes ou Eva Longoria. Mas ele achava piada ao meu entusiasmo com as cartas e eu apreciava a gentileza dele. Nada de confusões.
Voltei a fechar aquele saco com as cartas enquanto pensava em arranjar uma caixa digna para acomoda-las. Juntei à uma pasta com as cartas que meus dois avós, o paterno e materno trocaram entre si, falando de nós, os netos, (onde eu soube, pela caligrafia do meu avô paterno que eu era uma criancinha difícil e caprichosa) e dos nascimentos e falecimentos da família. Tudo isto faz parte da minha história, faz parte de mim. E tenho pena que cada vez menos exista vontade de sentar, pegar num papel, juntar umas letras ao pensamento e deixar a mão correr pelo papel dizendo aquilo que quer. São coisas que ficam, não desaparecem no desligar do PC.
Sem os lol, rssss, sem bonequinhos pulantes, nem letras flutuantes ou cores garridas. Só a minha letra, minhas palavras e mais nada.
Meus livros continuam sem solução, mas ainda vou pensar em como vou resolver as coisas...
Escrevam
Apareçam
Rakel.
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