Cenas de Gajas


Você se habitua durante anos a conhecer a sua mãe sempre da mesma maneira: morena, cabelo preto  (natural) e olhos castanhos tão escuros que chegam a raiar o negro. Nunca foi muito ousada na hora de colocar umas cores no rosto, talvez o mais audacioso tenha sido um bâton vermelho escuro. Ela se esbaldava era na roupa, nas cores (que nela ficam bem), e nos complementos habituais: sapatos, malas e demais acessórios.

Ela também tem a coragem de se deixar levar pela conversa dos estilistas capilares e deixa que peguem na tesoura e desatem em fazer penteados impossíveis de repetir no conforto do seu lar. Era surpreendente por vezes a coragem dela, houve um corte que foi realmente fora do comum, ajudado por uns reflexos de cores mais claras fez um vistão. Não é brincadeira não, ainda me lembro como se fosse hoje, a minha tia (irmã da minha mãe e 4 anos mais nova) na porta de casa, acabada de chegar do Alentejo, olhar pra ela e soltar um muito sonoro : "Maria, teu cabelo tem porras!!" Como quem diz: "que raio fizeste ao teu cabelo?"

Agora está loira...cumcatano, quando vi a mais recente foto dela fiquei de queixo no chão: minha mãe está loira. Essa coragem da baixinha é fora de série.

O meu cabelo é um assunto sério, sempre tive imenso amor por ele, lutei até ao último castigo pela minha franja, os incómodos de desfazer nós de manhã...pela sua conservação e continuidade. Por natureza de um ondulado até que giro, mas que de manhã não me dá muita paciência. É pentear e toca a andar. Por isso o estico quando seco, assim dá menos trabalho. Odeio quando vou cortar o cabelo e me enchem a cabeça de laca. Gosto de passar os dedos por ele sem ficar aprisionado no meio daquela selva de cabelos pegados e duros.


Mas...lá está, quando a crise se instala, quando dinheiro é sempre uma subtracção e não uma adição, há que adaptar a vida que temos ao que queremos. Não dá pra fazer vida de salão de estética. E cá vem a história do costume, da caixinha comprada em qualquer super ou hiper pra colorir ou cobrir os cabelinhos brancos que teimam a aparecer. Ou então a depilação com cera... cada uma destas coisas uma aventura "per si" só. Porque por natureza... tenho uma falta de jeitinho do catano.

Não é por nada, mas consigo fazer com que o conteúdo de um frasquinho de coloração consiga atingir lugares que não lembra à ninguém.Vou pra minha casa de banho, munida da minha T-Shit única para o efeito, uma toalha velhota e faço a maior meleca naquele pequeno espaço. Dias depois encontro pingos por detrás da sanita, lá em cima no azulejo, na torneira do bidé...e na lâmpada. Ninguém se aproxima de mim no cenário de guerra, pois algum pingo pode atingir uma vítima inocente. É absurdo, porque eu ainda fico sempre a reclamar que, pra ficar com cabelo pintado em condições, tenho que usar duas embalagens. Se uma já faz o que faz... imaginem quando eu junto duas??? Dantesco...

Aí se estou na semana de "reforma geral" faço a depilação com aqueles boiões também comprados em qualquer super ou hiper. É tudo fácil, é tudo simples, é verdade, aquecer o produto é das coisas mais simples de fazer. Pior é o resto. Não tenho espaço que chegue para me esticar à vontade na casa de banho (porque se ela fosse grande já lá estaria uma estante com livros) e vou pro chão da sala (porque o chão é de lajota e uma esfregona acaba com os restos da batalha) e aí começa a aventura.

Pra já, o fabricante não coloca na embalagem as tiras de papel suficientes para o efeito. De modos que cá a gaja fez tiras de pano para colmatar o problema. Então é assim, adaptei tudo que pude para me levantar o menos possível do lugar. Aqueço o dito boião no microondas, já de lado há uma bacia com água a ferver para ir colocando o dito pra não perder a temperatura. A espátula que vem na embalagem que serve de alerta de temperatura fica só mesmo pra isso. Porque uso uma daquelas espátulas de ver a garganta dos putos no médico. Com a de fábrica não nos despachamos, é pequenina. Uma manta velha no chão (não vá eu na minha famosa falta de jeito e descoordenação dar um pimparote no frasco né?) e cá vai disto.

Bom, não é bem assim, porque a parte frontal das pernas até corre bem... o pior é a parte detrás. Ô meu pai eterno... preciso urgentemente fazer Yoga, preciso não só conseguir dobrar meu corpo em ângulos estranhos como ainda por cima conseguir respirar e puxar a banda de cera...é inominável o que se passa neste chão. Até eu me escangalho a rir pensando se fosse filmada... o cómico que seria. Até ao momento que a cera endurece e precisa ser reaquecida. E lá vou eu pra cozinha, com os dedos a colar em tudo, pernas com restos de cera peganhenta, aquecer de novo do microondas. Depois da depilação feita (e nesses dias lamento não ter olhos na nuca), tenho que lavar o chão da sala, da cozinha e o microondas.

Se não fosse essa carestia, cá a menina ia entregar-se nas mãos de profissionais de estética, deixava que me fizessem massagens no couro cabeludo, pintassem e secassem minhas melenas. Depois deitava na marquesa para que fizessem com eficiência a depilação, embora sempre custe um bocado os repelões.

Gaja sofre...e quando é monetariamente despojada e trapalhona.. pior ainda.

Apareçam

Rakel.

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