Já vou avisando que estou calma, muito calma mesmo.
Mas já que antes, contando a minhas aventuras para conseguir ter alguns papéis arranjados fui acusada de um tudo...resolvi dar um tempo.
Aí dei comigo a pensar com os meus botões, primeiro, se era uma embirração minha, um cansaço de quem vê esta lenga-lenga de leis e de ignorância passando de mão em mão. Pensei naquela pessoa simpática que mandou a velha boca de : "se não tás bem...volta pro teu país." Mas o meu país agora é este. Mais de vinte anos aqui.
Posso comprar uma casa, posso abrir um restaurante, dar aulas, estudar, tirar a carta, pagar impostos, ter os meus filhos. Mas tudo isso sem poder reclamar dos serviços, sem apontar o dedo ao que não esta bem. Mas posso mentir sem pejo nenhum e dizer que o governo é bom e que tá a fazer tudo certo.
Dei-me conta de outra coisa.
Se for pensar bem no assunto, se hoje voltasse ao meu país de origem, seria sempre a filha do português, ou como muitos carinhosamente chamavam, a portuguesinha. Ainda que conserve uma boa parte do meu sotaque, a minha mãe, uma alentejana de gema, iria dizer na mesma: "tás cada vez mais com o sotaque lusitano!"
Então aqui, sou brasileira, lá sou portuguesa...mas estrangeira nos dois lados. Consigo recuar com um dos lados da família até os anos de 1500, outro lado consegui chegar até 1748. Tudo daqui. Porque a minha raiz, a minha base é esta: a portuguesa. Ok, nasci em outro país e vivi lá parte da adolescência, como a maioria de miúdos que são filhos de imigrantes. Costumo dizer que meu coração é brasileiro, mas meu sangue é português. Um não vive sem o outro. Por isso mesmo, cada vez que alguém me diz: "tás mal, vai para o teu país" gostaria que fosse capaz de me dizer qual seria ele.
Hoje é dia 10 de Junho, dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Portugal que sempre foi um país de imigrantes, que sempre saíram do seu cantinho procurando outros lugares, outros ares. Fazendo de suas casas e suas pátrias lugares longínquos e alheios. Tomaram como seus outros países, conquistaram rotas e dividiram o mundo em dois...Mas ai de quem ouse fazer de Portugal a sua casa, de fazer deste país o seu lar. Foi a casa dos meus pais e dos seus antepassados, como herdeira das suas tradições, histórias e lugares, me é constantemente lembrado que não nasci aqui, portanto, não posso exigir nada. Sou uma herdeira sem direitos.
Camões viveu mais tempo fora de Portugal, passou mais tempo em Macau, mas é o símbolo do portugueses pela genialidade das suas obras. As comunidades que fazem parte das de expressão de língua portuguesa...são muitas, inclusive o meu. Mas me pergunto realmente, qual o sentido dado ao termo COMUNIDADE? É a foto no jornal dos dignitários dos países representantes? São os intercâmbios comerciais? É a compra de jogadores de futebol?
Daí que pesando bem os assuntos todos, pensando na possibilidade de que, talvez quem sabe, se não fosse eu a tratar das coisas...
Bellona, minha amigona, se prontificou a tocar essa cena dos papéis, passei-lhe uma procuração para as mãos, apostando na sua capacidade de realização.
Um dia destes, atendo uma chamada dela.
" Olha miga, tou aqui em ....., com os teus papéis e me disseram que tenho que ir para ...."
"Bom, começaste a dança da batata quente que sempre dancei....boa sorte!"
Umas horas depois ela volta a me ligar:
"Olha a funcionária daqui do ....tá vendo os teus papéis e disse que tens que tirar um certificado de habilitações lá no Liceu."
"Mas estou a espera que o certificado chegue, é para eu fazer a licenciatura...mas pra que raio é preciso isso?"
Uns segundos de silencio e minha amiga responde:
"Ela diz que é para provar que falas e escreves em português..."
OK... admito, passei-me de todo. Então aquela anta mental, funcionária do .... com os papéis todos na frente, com a cédula da minha avó, pai (tudo tuga), minha certidão de nascimento, tudo aquilo... não lhe acendeu uma luz naquele cérebro lesado para perceber que sei falar português...porque nasci num país lusófono? Ela precisará de legendas pra ver as novelas da Globo?? Mas que PORRA!! Mas será que ela sabe ler e interpretar as coisas que tem na frente??
Muito bem, eu respeito o dia de hoje, respeito as pessoas que tem o senso de nacionalidade e de comunidade, pois são duas coisas que me falam muito. Mas, depois desta, me pergunto: hei de ter respeito com quem faz pouco da minha inteligência? Ou Bellona que é portuguesa até ao tutano, tem que ver esta falta de respeito pelo sentido de vida e direitos?
Fica para pensar
Apareçam
Rakel.
PS: os pontilhados são os nomes dos locais por onde a Bellona cirandou, que resolvi omitir para não ferir a sentimentos patrióticos alheios...
Como é óbvio, já li, adorei e fartei-me de rir!!!
ResponderEliminarSabes que há pessoas que seguem todas as regras, independentemente da razão de ser das mesmas já estar ou não cumprida!!!É a vida!!!
Eu já tinha vindo ao blog mais vezes, mas quando fiquei com os tais 98% de certeza de que era teu, foi quando, a propósito da intensão da União Europeia regular o volume dos dispositivos de som com auscultadores, sua excelência se sai com esta: se eu quiser deixem-me ficar surda à vontade!!!
Quantas vezes eu vi e ouvi tu dizeres isto pessoalmente???
Dúvidas pouco restaram!!!!
Quanto às pessoas que te pedem estes documentos, e outras coisas semelhantes, temos de ter paciência, nesta terra de brandos costumes (ou há vinte anos ainda não a tens???)
Jinhos e bfds
Catekista...paciência é meu nome do meio...
ResponderEliminarNão és a única a me reconhecer aqui neste espaço de reflexos pessoais. Felizmente, aquilo que escrevo é coerente com a minha maneira de ser e falar. Isso só prova, que afinal, maluquinha sim, mas uma maluca coerente :)
Bjos e bom FDS
Afinal ainda por cá passei!!!
ResponderEliminarNem as pessoas sabem o quão coerente é a tua maneira escrever com a tua maneira de ser e de falar.
E, já agora, não deixes de ser a maluquinha que és! É uma maluquice saudável!!!
Agora é que é!!!
Jinho e bfds