Ode à Mãe

Antes que toda a gente comece a postar sobre o próximo dia marcado pra dar prenda e lembrar que existem, vou falar de mães.

Pra começar, vou falar da minha.
Um metro e cinquenta centímetros de gente (que ela teima em dizer que são 55 por usar sempre saltos) mas cá com um pulmão e um geniozinho que nem vos conto. Tinha imenso gosto em cozinhar, fazia óptimas refeições até o dia em que se formou em Naturopatia e deu em Vegan. E conversar com alguém fundamentalista num assunto não dá margem de argumento.

"O que comeste hoje de manhã? (sim, nem o Oceano Atlântico consegue parar o dom dela investigar o que faço)

"Comi um queijo fresco e bebi chá" (de manhã nunca tenho vontade de comer)

"E o que colocaste no queijo?" (aí senti o drama... dissesse o que dissesse ia dar errado, portanto, quem diz a verdade não merece castigo)

"Olha, só coloquei pimenta, não salguei não, ok?" (será que me safei?)

"Hummmm... (esse hummm me deu calafrios) que tipo de pimenta?"

"Pimenta preta...não vai me dizer que agora além de vegan és racista?!" (eu bem tento brincar...)

"MAS TU NÃO TENS JUÍZO??? NÃO SABE QUE ESSA PIMENTA ENTOPE AS ARTÉRIAS PORQUE NÃO É BEM ASSIMILADA PELO ORGANISMO??  (ela mais um pouquinho não precisaria de telefone... bastava berrar um ou dois decibéis mais alto e já tava bom)

"Ô mãe... foi só uma pitadinha...pra dar gosto..."

"TU AINDA FUMAS????"  (ai...fodase...e eu que minto tão mal...)

"Olha...ando a reduzir...fumo pouco... não se preocupe..."

"TU TENS QUE TOMAR VITAMINA C PRA COMPENSAR O QUE O FUMO TE CORTA NESSA VITAMINA...PELO MENOS DUAS GRAMAS POR DIA!!!"

"....arhhh... mãe... como tá a Déhbora?" (eu sei, foi covardia jogar a minha irmã no meio...)

"A Dé?? Eu já não sei o que fazer com essa menina...anda por aí, com as barras das calças desfiadas e as unhas pintadas de azul...outro dia saiu comigo, olhei pra aquela bagunça de cabelo e disse :"pelo menos passa os dedos pelo cabelo pra ter ar de quem se penteou.."

Pequeno detalhe...estava eu num telefone público, com as minhas calças rasgadas nos joelhos, rabo e coxa...uma Tshirt que eu tentei fazer um ensaio de Batike, chinelos e unhas pintadas de preto...agradeci em voz baixa o facto de ainda não haver videofones...

"Olha... isso é só uma fase...depois ela começa a andar mais arrumadinha..." (se for como a minha...)

Minha mãe é daquelas que demora mais de uma hora pra se arrumar só pra ir na padaria, tem um exército de cabeleireiros só pra ela, louca de todo por sapatos e muito, mas muito vistosa...nas cores...afff
Por isso ela não entende que a minha irmã, que nasceu com o cabelo aos caracóis, muito ondulado...não dá muito jeito escovar aquela juba...fica horrível. Portanto, tanto eu como a Dé somos a vergonha dela, por sermos assim pro lado do mais prático. Embora a minha mana tenha o seu toque de perua...

"Vi um vestido que acho que vais gostar...vou te mandar na próxima encomenda" (ai meu santo kitkat...de que cor será esse vestido...azul eléctrico? rosa choque? amarelo cheguei? verde papagaio? laranja olha pra mim? Eu já suava em bica...)

"Ahhhh...tá certo mãe... obrigada..." (vestido... não gosto nada...)

E isto é só uma pequena amostra do poder dela...aquela baixinha passa-se logo por dá cá aquela palha, berra que se farta... e foi assim que fui criada... Convenhamos, em assunto de paciência a minha mãe nasceu desfavorecida, se calhar não havia espaço pra esse ingrediente essencial para educar filhos. Mal a gente pisava na bola... lá vinha ela no máximo de decibéis possíveis dizer o quanto estávamos fazendo tudo mal...
Outra coisa que me deixava chateada era o facto de ela dar muita importância à  aparência e pouco à pessoa em si...

E foi assim que ela serviu de modelo de como eu NÃO deveria criar os meus filhos, de como teria sempre que me lembrar como era ruim saber que, por mais que me esforçasse, tava sempre tudo mal. Da mesma forma que aprendi a não fazer distinção entre filhos (sim, porque os meus manos são os queridinhos...as filhas...essas são uma lástima), nem ficar batendo sempre na mesma tecla.

Mas o que ela tem de mandona, tem de ingénua... ela é a minha vítima ideal do 1º de Abril. Como sou péssima mentirosa, tenho que engendrar um esquema pelo menos dois meses antes do evento em si, porque tenho que ser convincente, não titubear quando falo e ter fé que ela vá acreditar... e acredita sempre. Fatal como o destino. Só houve uma vez, que a coisa me correu um bocado mal e acabei 3 meses de castigo...

Mas ainda hoje isso acontece, só que intervalo, não pode ser todos os anos, tenho que deixar esquecer um pouco a ultima patranha.

Vocês devem estar a se perguntar porque cargas d'água eu não estou cobrindo de mimos e elogios a minha mãe. Não terá ela qualidades? Claro que tem, como todas as pessoas que se presam...mas como mãe...há pontos que são muito complicados de colocar de parte. Nem vou me arvorar de melhor mãe do mundo, porque sei que não sou, mas pelo menos, coloco empenho e paciência na educação dos meus dois gandulos.
E graças à isso, tenho aqui dois gajos que conversam comigo, se abrem em perguntas e dúvidas, coisa que com ela era impossível.

E ainda hoje me pergunto, como é que foi possível, aquela paz de alma da minha avó (que como boa alentejana que se presa começa fazer  almoço pelas 8 da manhã), teve uma filha tão nevrótica, eléctrica e mandona...há mistérios que não tem explicação...

Mas há pior.. é quando uma mãe... vira sogra. Esse estigma social que coloca todas as mulheres no mesmo papel da bruxa malvada...ou da madrasta... Sim, porque madrasta e sogra são todas más, não há historia infantil que não malhe em seco em cima dessas personagens.

Depois dizem que vida de gaja é fácil...

Apareçam

Rakel