Diz-me como foi tua infância


No meio de uma conversa sobre coisas da vida das gajas, falei o termo muito comum entre nós que é "brincar de casinha". A amiga em questão não estava familiarizada com o termo, então expliquei que é mais ou menos aquela coisa dos tempos de criança : "Queres brincar de casinha comigo? Eu faço de mãe e tu de pai e somos muito amigos". Não sei se por ter nascido num meio muito tradicionalista, ou por ter sido em outra época, havia sempre um menino disposto a fazer de chefe de família, pai de uma data de bonecas. Nem questionava o facto de umas serem loiras, outras morenas e até ruivas. A paternidade não era posta em causa, não havia brigas e desconfianças e todas eram filhas deste casal instantâneo.

Mas já nessa época eu detestava brincar de casinha. Porque o menino saía pra trabalhar, voltava pra almoçar, saía de novo e voltava pra jantar. Ajudava a trocar uma fralda? Ajudava no jantar?? Não... ficava na sala vendo futebol pela T.V, ainda por cima torcia pelo Palmeiras (arghhhh!!)
E eu achava aquilo muito injusto, dar banho nas filhas, fazer o jantar, aquela bestinha comia e depois zarpava de lá dizendo que ia se deitar porque no dia seguinte ia levantar cedo...(ora fonix...e quem deitava as crianças e arrumava a cozinha??)

Mas porque eu brincava de casinha??? Por culpa do meu irmão mais novo, os caçulas só nascem pra pentelhar a vida dos mais velhos. Quando ele nasceu e me apresentaram à aquele narigudo, cabeludo horroroso recém nascido...tive a minha primeira crise de asma, nem 2 anos de idade tinha. Daí, as constantes idas ao hospital a meio da madrugada, voltar de lá completamente entupida de medicamentos levou os meus pais aos extremos de cuidados. Aí surgiu a aglutinação de duas palavras numa só... o famoso NÃOPODE.

Essa palavra estava ligada a correr, andar na rua, comer chocolates, apanhar uma aragem e andar descalça. Associado ao facto que eu era ruim de comer e era magrinha (em relação à crianças balofas, cheias de regueifas), facto que por si só queria dizer que a minha mãe não era boa mãe. Naquele tempo, uma criança pra ser considerada saudável era como um porco: gordinha. Portanto, eu era asmática e magra... porque era ruim. Pra não ter que parar no hospital, brincava em casa, portanto, quando algum amigo do meu irmão aparecia pra brincar, eu conseguia fazer com que não só brincássemos de casinha... como ainda conseguia que meu irmão fosse o cão da nossa pretensa família  :)

Eu tinha que ter a minha vingança né? Bom... digamos que apenas previ com alguma antecedência o futuro do meu mano...afinal ele se tornou advogado (desculpa miga, mas não é nada contra ti, é mesmo contra a profissão).

Aí pelos 10, 11 anos, conseguia já escapar da vigilância da mãe e da empregada e corria o bairro todo, fazia novos amigos e fugia das meninas e bonecas. Uma complicação sem fim, porque todas baptizavam a bonecas com o nome da moda (naquele tempo era o nome de alguma Miss Brasil) e acabava tudo em puxões de cabelos e mordidas...não tinha pachorra pra isso.

Aos 13 foi a melhor altura: bicicleta, carrinhos de rolamentos e papagaios de papel, morar numa rua inclinada era máximo pra queimar as solas das sapatilhas como travão. E confesso que fui nessa onda até aos 15 anos, para consternação da minha mãe, uma senhora muito Pipi, toda arranjadinha e cheia de nove horas. Não era invulgar nos encontrarmos na rua, eu de calções, T-Shirt e chinelos, usando a T-Shirt pra carregar as goiabas que apanhava num quintal vizinho... e ela toda empinocada, cabelo impecável e muito senhora de si. Um contraste absoluto. Mas a tal da asma, foi relacionada não com as alergias.. a minha é emocional... psicossomática. E passou...mais ou menos.


Então, cá com os meus botões penso que, talvez essa minha fase de crescimento tenha sido a base do que sou agora. Nos maus dias de asma, lia pra escapar da angústia de não conseguir respirar. Escapava assim da realidade das picadas das injecções, dos medicamentos que me embrulhavam o estômago e do cansaço físico que era o esforço pra tomar ar. E continuo a ler muito porque agora gosto disso.

E fiquei assim.

Tenho uma certa raivinha de morte de julgamentos pelo aspecto físico, pelas aparências e por uma imposição de regras. Não alinho nas coisas de : isto não é pra uma menina ou menino pode e menina não. Não vou em modas, gosto das minhas próprias escolhas, podem não ser as mais bonitas, mas acho que são muito minhas. Fiquei completamente alérgica à brincar de casinha, mesmo depois na experiência adulta, confesso que nunca mais me meto numa dessas. E fico passada da cabeça, quando escuto alguém a reclamar que não tem o corpo que quer...quando pra mim, poder respirar é o mais importante. Experimentem tapar completamente o nariz, fechar bem a boca e tente respirar por uma palhinha de refresco...é mais ou menos uma crise de asma. Meu irmão continua um mete nojo, pedante e cretino, provando que quando eu o fazia passar pelo meu cão... era o que ele merecia mesmo.

Brincar afinal é um interlúdio daquilo que será a nossa vida futura, ou pelo menos um reflexo da nossa personalidade. Quem foi criado com constantes NÃOPODE, se chateia,se enche e se revolta da constante regulação de movimentos, desse controle de vida. E macacos me mordam se não faço um papagaio de papel e o solto no ar, pra mostrar aos meus putos uma das minhas brincadeiras de criançona.

Apareçam

Rakel




Comentários

  1. Pois é miga, gostar não gostas, mas k vais lá parar quando precisas ...
    E depois, eu prefiro ser advogada ou dar dinheiro a quem faça as mesmas vezes do que dar esse mesmo dinheiro para o médico ou para a farmácia.
    Tenho muito respeito por essas profissões, e ainda bem que existem, porque precisamos delas (tal como a de advogado), mas eu daria tudo para que não fossem precisas.
    E tu sabes k eu não me importava de ficar sem trabalho, se isso quisesse dizer que esses serviços não eram precisos. Mas como eles são precisos...
    Mas sinceramente Rakel: cão da família????

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  2. Catekista... tenho birra com advocacia...não com as pessoas que advogam. Essa cena de cão de família não é culpa minha...meu mano adorava comer da gamela do Sultão, um Boxer enorme da minha madrinha...ficava de quatro e tudo no chão dividindo aquele nojeira de baba e restos de comida...ele só me deu a idéia...

    ;)

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  3. Como se precisasses que tas dessem!!!
    Tu até nem tens ideias dessas!!!

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  4. Juro... não tenho culpa da minha imaginação...

    :)

    Bjos

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