E Quando a História Repete-se Com Uma Bússola Viciada




A impressão que passa, é que nada é novo, tudo é uma sucessão de acontecimentos já ocorridos; o ser humano peca mais vezes pela falta de originalidade do que pelo rasgo de invenção. Quebrar tabus e conceitos amplamente aceites é quase uma subversão; pensar já é tido como um acto subversivo.


Há mais ou menos 100 ano atrás, mais coisa menos coisa, o mundo andava nos mesmos trambolhões entre tensões entre países, pessoas lutando contra a falta de emprego; o grande crash da bolsa americana... que levou não só o dinheiro como a esperança de muita gente.

Foi empoleirada de maneira bastante precária e tentando tirar um dos gatos de cima da estante é que bati os olhos num "As Vinhas da Ira" e fiquei a lembrar do enredo tão actual apesar das décadas que separam, um século inteiro que separa de tantas coincidências actuais. Faz-me pensar num Tom Joad que larga a família já desagregada pela fome, que perderam a sua quinta ao banco, com mortes e separações pelo desespero, e que abraça a causa sindicalista/comunista. Um foragido espancado, que recusa-se a trabalhar do nascer do sol até este se pôr por meia dúzia de patacos que nem para umas papas de milho chegam para comprar.

Com o gato pelos ombros (e a esfregar-se no meu cabelo...só faz merdas quando quer atenção) puxei o volume e voltei a reler o livro. Há livros que são como velhos amigos, a história pode ser a mesma, mas em cada "conversa" enxergamos uma nova nuance e um novo ponto de vista. São 3.00 da madrugada e acabei o livro há coisa de 10 minutos...

É difícil tomar distancia é não encontrar paralelismos com as actuais circunstancias do mundo. Há quem diga, num tipo de teoria da conspiração que até faz algum sentido, que as convulsões actuais prendem-se com a falta de um modo de vida alternativo. Há mais ou menos 100 anos atrás, depois do crash e de toda essa baderna mundial, o que nascia e medrava a olhos vistos era a alternativa de esquerda, que tanto intelectuais e insatisfeitos abraçavam como nova causa. Apelativa essa forma de vida em que, na teoria, todos somos iguais e merecemos tudo por igual, ameaçou de forma bastante forte uma sociedade estabelecida nos valores do sucesso, dinheiro e poder. Uns trabalham pelo benefício de outros que enriquecem, as castas sociais e que aceitam relutantemente as novas fortunas e seus donos pelo apelo da riqueza e do "lucro" social que podem tirar. Não gostam, mas aceitam o facto.

Hoje, não temos mais uma União Soviética poderosa e atrás da cortina de ferro e da guerra fria. Putin está mais perto de um Príncipe de Maquiavel ou um "paizinho" da nação (chamavam assim os czares, num modo carinhoso) do que para um tipo virado para armar~se num Stalin ou Lenin  e fazer uma contra revolução. China? Mais capitalista dos que os próprios capitalistas é vê-los a ter um milionário por cada mil habitantes (dados estatísticos) e nem por isso com menos pobres, não cabendo em lado nenhum o modelo comunista. Digamos que agora, é um caso de país com governo totalitarista de cunho pseudo-construtivo mas de raiz capitalista. O mundo não tem ameaças ou modelos alternativos de vida.

Há 100 ano atrás, com o surgimento destas vidas diferentes, fez com que nos países que não queriam perder o poder criassem condições para que as pessoas não mudassem: emprego, uma vida mais estável, bons salários...não é imaginação minha.

Antes da queda do muro de Berlim, mesmo ganhando o salário mínimo, eu conseguia jantar fora todos os fins de semana, ia ao cinema todos os fins de semana, tinha as contas pagas e em ordem, havia emprego (e não, não eram todos de estar diante de uma mesa com papéis e a carimba-los com ar de quem faz a estratégia da firma) e sobrava dinheiro no final do mês. Lembro-me que, ainda estudante, com 50 escudos na mão comprava um maço de tabaco (era sempre ventil) ia ao cinema, depois ia ao "Chefe" comer uma Miséria (uma dose de batatas fritas com um ovo estrelado) com uma imperial e ainda sobrava dinheiro pras pastilhas Gorila, pois a minha mãe chateava-me os cornos por causa do "cheiro horrível de bebida" da imperial e me torrava a molécula o resto do fim de semana.

Conforme os muros iam sendo deitados abaixo e o Glasnost  e a Perestroika cresciam, o modelo de vida que tínhamos foi começando a ser carcomido. Daí para frente foi sempre em curva descendente (gentilmente no começo) até bater no raso e de trombas. Pergunto então: não há praí uma cabecita pensadora que arranje um modelo alternativo de vida que seja apelativo e contra-sistema para ver se as coisas melhoram? É que a malta já está sem grandes alternativas e a deixarem-se comer vivos...

Por isso, será também da nossa génese que temos este maldito modo de vida que é repetir enredos; seja na nossa vida privada ou nesse círculo tão nosso familiar que é a sociedade, vamos retomando e rebuscando as mesmas atitudes e resultados. Parece que somos falíveis e que temos essa necessidade um pouco masoquista de querer perpetuar acções que são mais vezes dolorosas do que prazeirosas. Teremos um lado fatídico? Será que estamos condenados aos círculos viciosos de atitudes? Será que mesmo tomando distancia das situações elas ainda nos agarram e prendem?

É nisso que ando a pensar, mais no aspecto pessoal do que no geral e mundano; nesta funesta mania de, mesmo sabendo de antemão que não vai dar certo, lá estou eu a dar o benefício da dúvida e esperar que acabe por ser diferente. Provavelmente será a faceta do incoformismo que sobe ao de cima e espera que desta vez seja mais do uma luta sem glória. E quase aposto o meu mealheiro depauperado e cheio de moedas de  0,02€ que no fim será com sempre foi, caso sem solução. É que mesmo mudando de rumo, seguindo outro caminho, parece que a agulha da bússola aponta para o lado que deixei faz uns dois anos. E nem eu me percebo já...


Rakel.


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