A Fase Gira da Adolescência


Ontem, depois de ver aquela bem intencionada nutricionista explicando como poderia se fazer refeições quase de graça para seis pessoas... pensei logo : esta senhora não tem filhos adolescentes...

É que não é por nada, mas acho que há uma certa irrealidade no que toca às famílias e como se tenta gerir a boca delas. Ok, meus filhos não são muito esquisitos na hora de comer: tanto se lhes dá que a marca seja aquela XPTO da T.V como seja marca branca. Aliás, esses pruridos de marcas e rótulos desapareceu no momento que comecei a passar os cereais da marca branca para uma caixa plástica e aí comiam e não perguntavam nada. O que interessa à um adolescente nem é bem a marca...mas a quantidade. Como tenho dois rapazes, não há aqueles dramas de emagrecer para caber no top minúsculo e andar com a rinzada e o umbigo de fora, mesmo que o clima esteja nuns belíssimos -2º... (embora que, nos dias de correm...)

Impor regra de só comer uma sandocha com uma transparente fatia de fiambre, é mais ou menos tentar fazer a pedra filosofal com uma lata de feijão vazia, dois clips e meio copo de cocacola. É impossível. Da mesma forma que, apresentar uma sopa de abóbora na mesa é quase provocar um motim, coisa que evito ao máximo, porque senão desforram-se a meio da noite nas 3 fatias de fiambre e mais 2 de queijo em pelo menos 3 sandochas. Além do facto que, a sopa, quem acaba por a ter que comer toda serei eu, fui a cria do monstro... terei que aguentar as consequências. E quem não se lembra da fome canina que nos toca nessa fase de crescimento? E esta fase tem sido muito gira de acompanhar...


Ver que os nossos filhotes já pegaram alguma autonomia, que se viram bem nas suas coisas, que mudam de comportamentos... e mais do que ninguém estou a ver essas mudanças de uma forma curiosa. O de 15 anos que sempre foi um sujeitinho ordenado, organizado, calmo e caladão...agora, meus amigos, entrar naquele quarto é uma aventura e tanto. O chão, que me lembre, era de tacos, mas neste momento encontra-se camuflado debaixo de cartas de Magic, livros, juntamente com meias usadas (as quais, diante da minha regra de roupa pra lavar é o mesmo que não existir) sapatilhas, um computador esventrado e metade da roupa de cama floreando o caminho (mau dormir crónico). 

O de 19 anos por outro lado deixou esta fase caótica de vida e se dedica a arrumar sistematicamente o quarto, embora as gavetas onde deveriam estar as camisolas de lã, a roupa interior e as T- Shits estão ocupadas com madreboards, placas de som, alimentadores, programas alinhadinhos em ordem alfabética, numa organização própria de uma oficina de reparos. Mas o chão anda limpo, o lixo despejado e mais ou menos organizado.

É verdade que não há bela sem verruga... as manhãs são uma dura prova. Enquanto o de 15 anos é um bocado maníaco com pontualidade, levanta-se a horas decentes para ir pra escola e  se despacha bem e a horas, o mais velho é um problema. É mais ou menos como tentar acordar um urso durante a hibernação... ou rosna ou não liga puto ao que digo. Mas tem melhor... o de 19 herdou (e já não pode dizer que é um deserdado na vida) o meu sonambulismo. O último exemplo (ontem de manhã) é a certeza que, se não rosna, não está consciente e ouvindo bem o que digo. Ontem fomos visitar os parentes à Santarém, de maneira que fui levantá-lo as 10 da madrugada...

"Puto... acorda, olha que é hoje que vamos à casa dos avós... queres ir agora tomar banho ou vai o teu mano primeiro?" (sempre dá uns 10 minutos de modorra na cama passando a vez)

O puto abre os olhos, fixa-me e diz:

"Não te preocupes mãe, já tenho 20 mil, e parece que são precisos 30 mil, de maneira que falta pouco, com 20 mil não demoro nada..." 

??????????????????????????????????   e vira pro lado como se não fosse nada...

Enquanto este discurso absurdo decorria, o de 15 já estava no banho (maníaco pelos horários) e por isso mesmo deixei o mais velho interiorizar os tais 10 mil que faltavam... e aprendi que, quando não rosna um : JÁ OUVI, JÁ ME LEVANTO... é por que ainda está em Shangrilá sonhando qualquer besteirada que custa 30 mil patacas.

Mas giro mesmo... é a cumplicidade que se forma entre os nossos sentidos de humor ou discussões filosófico-sociais, em que tento duas coisas ao mesmo tempo. Como as conversas decorrem na cozinha, primeiro tento que enquanto fale, comam menos (sem grande sucesso, admito) e por outro é ver como eles tem as suas próprias visões da vida, os diferentes tipos de sentido de humor e como defendem as suas verdades e opiniões. Justamente agora que o mais novo começou a ter a cadeira de filosofia no 10º ano, as conversas tem sido mais apaixonantes e elaboradas. O mais velho, céptico, crítico e pragmático descarta escolas, linhas filosóficas e usa o lado prático da vida... e fico de mediadora e intervencionista para colocar alguma ordem...

...e justamente agora, que estão nessa fase gira, que trocamos anedotas, filmes, andamos a mostrar uns aos outros as músicas que descobrimos ou livros... daqui nada, saem de casa para ir à uma universidade qualquer. É uma injustiça pegada!!!

Ahhhh... quanto a boa vontade da nutricionista, deve ser como foi na casa da minha mãe quando ela entrou para o vegetarianismo... Em casa, Tofu, muita salada e aquelas coisas... mas cá fora (os meus 3 irmãos) era a desforra nas pizzas e hamburguers. Se a nutricionista tem filhos que conseguem lanchar 1 iogurte e 2 torradinhas (devem ser daquelas pequeninas) vou ali e já volto... ou não sabe o que é ter dois rapazes com dentes até aos pés. Magrelos, mas com um apetite do catano...

Apareçam

Rakel

Comentários