Portas e Histórias




De uns tempos pra cá nota-se de longe que se perdeu qualquer coisa pelo caminho. Acho que durante muito tempo as pessoas investiram demais, intensamente e cegamente em tudo. O intensamente, até não acho muito ruim, mas o cegamente é a morte do artista. Acredito que vez por outra na vida, um salto de fé vale a pena, aquela coisa que não prevemos lá muito bem as consequências, mas que faz todo o sentido se jogar completamente. Mas isso dá pra fazer de olhos bem abertos. Saber que vai saltar, olhar pro abismo que se abre...

Salto de fé de olhos fechados, geralmente redundam em trambolhão e muitas esfoladelas, e aquela sensação que não valeu o esforço. Esses saltos de fé, são feitos em todos os sentidos: nas nossas crenças de vida social, na política, na nossa vida emocional... e quando não dá certo... é brutal.

Nunca vi tanta gente depois do salto de fé de olhos fechados como agora, gente desalentada, sem ponta de garra, de esperança de objectivos de vida. Parece que esvaziaram as pessoas por dentro e deixaram as casquinhas passeando pelo vento. Apostaram duas vezes no mesmo Primeiro Ministro e o resultado tá aí: nunca o país andou tão chutado e tão em baixo. 

Ok, venham lá com o tempo da ditadura, digam que essa época era bem pior, mas querem saber? Não acho. Acho que agora é bem pior. Antes as pessoas ACREDITAVAM em mudanças, em coisas e pessoas melhores. Hoje acreditam no quê? Nem isso ficou, aquele bocadinho de fio chamado Esperança, ou naquela miragem chamada Futuro. Deu tudo errado, o que era um motivo de esperança deu lugar ao desalento e desespero. Quem se ergueu e se levantou pra lutar por um país melhor, se deu conta que mataram tudo... até a luta e os sonhos.

Há uns dias atrás, me deram uma frase pra ler, como se fosse a resolução de todos os problemas... e me entristeci com ela:

"As mulheres felizes, tal como as Nações felizes, não tem história"    (George Eliot)

Me pergunto se existe alguém que acredite que, a ausência de história seja um motivo de felicidade. Existe alguém que não tenha história? Que não tenha tido as suas lutas, as vitórias e derrotas, conquistas e perdas? Disseram-me : "Não quero heróis, porque para haver heróis é preciso haver guerras, lutas e mortes." 
"Mas para conseguir algo há que conseguir ultrapassar adversidades" respondi "Só assim saberemos valorizar os tempos de paz e prosperidade"

"Mas eu não quero sofrer para ser feliz, não é preciso uma história vasta para fazer uma nação rica, dispenso a história em favor da felicidade"

E depois de tentar explicar que...é olhando pra trás (pra história) é que podemos evitar cometer erros que nos levem pra guerras e sofrimentos...

...me deparo com umas linhas a dizerem: "Tu não leste direito a frase ou não entendeste."

Mas eu lamentavelmente entendi não só a frase mas também o desejo de quem me deu pra ler. É o desejo de viver em estado de Novocaína, aquela anestesia de dentista, que adormece tudo, tira a dor. Talvez seja isso o que todo mundo deseje nestes dias. Umas aplicações de Novocaína e uns toques de Botox, pra ficar com um sorriso paralisado nos rosto em jeito de : "não sinto nada, portanto sou feliz."

O não sentir nada incomoda-me demais. Essa escolha de passar em branco por tudo me deixa desconcertada.

Rejeito por completo esta auto-indulgencia de evitar o sofrimento, de evitar a vida e querer ser feliz porque sim. Sem merecer ou lutar por ela, sem ter o gosto de levantar depois de uma grande bofetada da vida, sacudir o pó das calças, erguer-se, olhar pra cima e começar a subir. De encontrar pelo caminho mãos que nos ajudam a escalar, parar as vezes pra tomar um fôlego, retornar a subida... até chegar lá bem no alto e respirar fundo. Conseguir, vencer e se sentir bem. Feliz.

Prefiro a vida a sangue frio, sem anestesia, com muitos momentos em que me apetece esganar alguém, que me passa uma fúria pelos olhos, que tenho vontade de me sentar e chorar um bocado, depois saber encontrar motivos para sorrir e rir. Caraças... se é pra viver em estado vegetativo... não obrigada! Faço um Testamento Vitalício, desliguem a máquina. 

E há uma coisa que me puxa pra cima: é acreditar. Acreditar nos ciclos de ascenção e queda, destruição e criação, de adaptação. E mesmo nos dias que estou cheinha de pena de mim, dou uma olhada pra trás, pra minha história, e vejo que já houve pior, portanto é hora de seguir em frente. Acreditando não em Partidos, discursos ou ideologias, mas na capacidade que cada um tem de prestar ajuda, de fazer um pouco por si mesmo e pelos outros. Que mesmo nos momentos de pior crise... há quem nos estenda a mão. Há por detrás de cada porta fechada uma esperança de poder abrir outras...com histórias diferentes, mas com cada uma delas... novas possibilidades. Eu acredito.

Apareçam

Rakel

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