Um Mundo Monocromático?




Levantar a cabeça e olhar para o céu; será talvez o meia antigo hábito da humanidade mesmo antes de ter conseguido equilibrar-se em duas patas, dar os primeiros passos como bípede e começando a usar a massa cinzenta.

Gosto de pensar naquela época em que as perguntas eram muitas, dos que levantavam o olhar para cima e pensavam; o que seria aquela bola dourada e impiedosamente quente quente em algumas alturas ou que faria mudar tanto aquela outra bola de prata no céu negro e pejado de pontos luminosos, frios e distantes? As lendas e ritos criaram-se destas observações, divagações e medos. O desconhecido provoca o medo, e quando é preciso "domesticar" ou ter poder sobre um grupo, alimenta-se esse medo com mais medos e ritos a respeitar e seguir.

Todas as nações e civilizações continuaram a fazer da natureza a sua base de hábitos e costumes; dos sacrifícios às comemorações coloridas ou os ritos onde só os sacerdotes ou xamãs poderiam participar. O chegar à maturidade e aos ritos de passagem para a vida adulta; o casamento, nascimento e morte. As estações em mudança, as cheias e secas conforme as monções. O plantar, cuidar e colher. Tudo rege-se pelas leis da natureza acertadamente ou não tão bem interpretadas pelos seus conhecedores. Os que olhavam o voo dos pássaros, os que olhavam o halo em torno da Lua, a forma como céu se pinta no pungente pôr do Sol, anuncia mais calor que amadurece o grão ou a chuva que enche o fruto.

Olhar para cima fez-no sonhar em voar mesmo sem asas, fez-nos encontrar engenho e construir ferramentas para ajudar a concretizar esse sonho. E tudo que evoluiu no mundo, desde o engenho ou a falta dele na luta pelo poder nos levou até hoje, ao mundo moderno e conturbado em que vivemos.

Números, a sua exactidão parecem dar certezas e comprovada realidade de que, se não se explica com uma fórmula, não existe, é um mito. Essa base científica e afirmada por outros tantos cépticos, serve de bitola para a veracidade dos assuntos mais profundos.

Não tenho nada contra a evolução da humanidade, usou-se o cérebro para chegar muito longe no que respeita aos meios para alcançar mais e melhor, embora estes aspectos sejam discutíveis no final; mas mesmo assim dentro daquilo que percebemos e enxergamos, foi uma longa caminhada desde o colocar-se em cima de dois pés e sair da caverna até chegar à exploração espacial, os telescópios e estações orbitais.

Mas e olhar para baixo? Lá estão os pés.

Acho que esqueceram de, de vez em quando, dar uma olhada para os próprios pés e no caminho percorrido. Dos erros e acertos feitos, da nossa verdadeira raiz, da nossa origem modesta, curiosa e única. Num post anterior escrevi sobre a nossa origem vinda dessa Eva primordial chamada Lucy, algures na África, que faz de nós uma grande família original pela diversidade. Falei da caminhada pelos continentes, atravessando terra e água, levando com eles os anseios de melhores terrenos de caça, de se fixarem num território ou deambularem entre estações.

Mas mesmo com essa herança partilhada por todos de igualdade genética, nos dividimos em status, sexo, cor, religião, idade, cor política, equipe de desporto (qualquer desporto), gostos musicais, hábitos alimentares e tudo mais que seja possível classificar.

Somos mais de 7 mil milhões de pessoas aqui no planetinha azul que vai sendo delapidado com o desrespeito aos benefícios naturais e a sua beleza. Continuam, tal qual os nossos cavernícolas ancestrais a olhar para o céu e a desejar alcançar outros mundos. Marte, aqui perto, mesmo inóspito à vida, já está debaixo do olho de cientistas e investidores. Teimam em encontrar soluções para sair e buscar outro lugar ao invés de procurar maneiras de consertar os estragos feitos durante décadas de negligência e ambição. Só olham para cima, sem um momento para pensar em olhar para os próprios pés e na caminhada feita. Como dizia o agente Smith no filme Matrix, a raça humana assemelha-se à um parasita que se propaga, destrói o local onde vive e depois de esgotar todos os recurso procura outro hospedeiros para esgotar e assim sucessivamente.

Os cientistas conseguiram por fim fazer prova da inexistência de deus com a visão do espectro de luz da antimatéria. O mesmo que explicar que é possível ver a luz do nada ou do contrário da matéria. E isso, provavelmente, levará à outras descobertas fascinantes e absolutamente incompreensíveis tanto no uso prático como do necessário. Mas mostra o empenho em seguir em frente nas descobertas e ultrapassar o desconhecido.

No decurso desta evolução separatista e formatada no cultivo da ignorância, luta-se por um lugar em nome de uma fé mal interpretada; ousa-se permitir classificar o que uma pessoa deve ser e fazer, as escolhas que deve levar em conta para não quebrar o código de conduta, até no que toca aos sentimentos. Quando em cada eleição um grupo de pessoas que pregam a ignorância da supremacia e separação racial e que emerge com mais poder, deixa-me apreensiva. No que toca a evolução mental e espiritual, estamos mais atrasados do que qualquer grunho dos tempos das cavernas, cada vez pior, diga-se de passagem.

Li um comentário num site que gosto de visitar para dar umas gargalhadas, em que um rapaz presenciou uma discussão entre dois homens que não chegavam à um acordo.  Ambos, sem nenhum fundamento válido, começaram a dizer um ao outro para voltar para a sua respectiva terra. Um era iraquiano e ou outro indiano... e tudo isso passando-se na Alemanha. Por outro lado, no país de igualdade de oportunidades, dos homens livres e que pensam que são os mais justos do mundo, não só será governado por um cretino como ainda por cima a população que deu-lhe o voto promove uma volta ao tempo dos autocarros segregacionistas. Uma propaganda em que um homem, de joelho no chão abria a caixinha mágica com um anel de noivado e ela emocionada olhava para ele, foi crucificada pela opinião pública. Só um detalhe, ele é um afro descendente e ela uma caucasiana.

Maravilha das maravilhas, as pessoas estão agora, nestes tempos tão modernos e evoluídos, a decidir quem devemos amar. Ok, ok, nossa origem começa com a Lucy, mas vamos esquecer isso em nome do espírito da época e para não conturbar as mentes fervorosas dos papa-hóstias, dos que seguem o credo do recém nascido que mais tarde disse "Amai-vos uns aos outros". Vamos ao pai Adão e mamã Eva e o começo deste povo mal escolhido. Dessa povoação incestuosa chegamos aos dias de hoje odiando, por passagem de pai para filho, sem razão válida, os que nos são diferentes de cor de pele ou origem. É essa a evolução social?

Somos mais de 7 mil milhões neste planeta e por "sorte" a nossa alma gémea não só nasce no mesmo país como também tem as mesmas crenças, cor de pele, idade e religião. A sério???? Digamos então que é uma pontaria do catano essas pessoas terem tão certamente nascido de propósito assim. Um plano perfeito ao qual estamos ensinados desde cedo a esperar que aconteça...por que é o certo e sempre foi assim. Mais de 7 mil milhões pelo mundo e só existe uma possibilidade contra o facto de que nos apaixonamos por que sim. Sem as inúmeros pontos fortes, que vão da capacidade de respirar ao auge da coincidência dos dois torcerem pelo Belenenses, há essa aposta de só mesmo aqui ao lado acontecem as coisas. E depois há o dedo em riste contra quando cores e sotaques se misturam, quando os olhos não vêem além do formato dos olhos, o que comem ou o que acreditam. Pegam apenas no que é aparente e esquecem tudo o resto.

Não tenho em mim que haja "sorte" nas pessoas que encontramos na vida; não acredito que entre 7 mil milhões de pessoas exista aqui, mesmo há duas quadras de casa a alma gémea. Acredito sim que nos forçamos a encontrar encaixe, a fazer o "correcto" e tentamos a nos aproximar mais de um possível acerto. Talvez seja por isso que passados uns tempos, em que a fascinação passe, a paixão arrefeça e fica muito pouco para ficar, que volta-se a procurar novamente. E raramente sente-se que finalmente chegamos ao local que esperamos tanto tempo a chegar. Que finalmente as coisas façam sentido, quando tudo parece contra as mais habituais expectativas. Mas apontar ou decidir quem e quando, é a suposição de que os sentimentos podem ser manipulados em honra de uma supremacia racial.

Se esta quadra fosse realmente levada a sério, talvez muita gente faria um exame de consciência dos factos que temos na nossa frente. É humanamente impossível a sobrevivência sem diversidade. Geneticamente falando, quanto mais misturarmos as etnias melhor se torna o ser humano. A insistência de uma raça pura, de separatismo e segregação não faz parte da história da humanidade; por cada terra descoberta, cada miscigenação conseguida, deu mais impulso aos que mudaram o mundo. Curiosamente, mesmo parecendo que é um pouco insano falar disso agora, o conto infantil A Cinderela, que todos tomam por ser uma criação Ocidental, na verdade nasceu de um conto chinês de 860 a.c, que depois os mercadores italianos levaram para a Europa, que depois um francês chamado Charles Perrault reescreveu em 1697; a versão dos estúdios Disney é bem longe da origem, mas na verdade, o mesmo conto que viajou os continentes e o tempo chegou até hoje para continuar a passar uma moral...duvidosa no meu ponto de vista, mas que faz as meninas pequeninas sonharem.

Realmente, por cada conto lido, cada mito descoberto e por cada olhar onde nos espelhamos... estamos tão perto uns dos outros e não somos donos de nada...que não vale o esforço odiar por hábito, julgar os outros por uma perfeição que não temos. E não me falem em tolerância, uma palavra feia que significa aceitar mesmo contrariado. É uma obrigação quando deveria ser uma aceitação e acima de tudo compreensão. Cada vida vivida não é mais do que uma breve passagem. Se andamos em trânsito de uma vida para outra, não temos outra obrigação de viver o mais dignamente possível e o mais verdadeiramente que possa ser.

Apareçam

Rakel.


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