O Fim Do Mundo de Sonho



Tenho mesmo pena das crianças de hoje, as que entram no mundo e vêem as fantasias próprias de infância acabarem, tudo por culpa dos adultos. Não me sinto com vontade para debater os vários tipos de violências que muitas crianças passam por todo mundo, da fome à prostituição e toda essa barbaridade. Eu queria escrever mesmo era sobre as coisas que sempre demos mais ou menos por garantidas e que, afinal, nos dias que correm vão-se acabando.

Eu acreditei na Fada do Dentinho, no Coelhinho da Páscoa, nas Fadas e Princesas assim como no Pai Natal, até a religiosidade parental ter detonado os meus sonhos infantis. Resolveram adoptar uma daquelas religiões americanizadas e que vê idolatria e pecados mil em tudo. Daqueles que não podem levar transfusão de sangue e que vos acordam de manhã cedo para dar a boa nova... num domingo. Imaginem então passar de uma vida colorida e fantástica ao dogmatismo cinzentão da idiotice... Poderia dizer até que seja esse, um dos meus vários traumas infantis (isso e o meu vizinho de cima a cantar a Malagueña as 5 e meia da manhã no chuveiro da casa dele, sem dó nem piedade) e desta personalidade ruinzinha e opiniosa.

Mas já pensaram bem na responsabilidade dos pais nos dias de hoje a tentar explicar porque raios a Fada do Dentinho já não coloca moedinha debaixo da almofada, mas sim um vale? Ou saber que a Mamã Ganso que vive numa bota cheia de filhos viu-se em trabalhos com a Proteção de Menores e da falta de condições de vida? E o que dizer da Cinderela e demais princesas, que com um azar do catano, não só aperceberam-se que os príncepes estavam cheios de dívidas e que torraram a herança real toda, como agora tem que viver num T-1 na Buraca?


E o que dirá então a mãe ao menino aconchegado na cama ao ler a estória sobre o Grilo Falante que foi exonerado do cargo, e que por isso mesmo há uma data de Pinóquios por este país a mentir até o nariz chegar à Lua? A Joana bem quer comer a papa, mas o subsídio agora não chega nem para a maçã envenenada da bruxa, quanto mais para o sapo papar um bom jantar. O Capitão Gancho teve que entregar o barco, porque a concorrência de tanto barco espanhol acabou com as perspectivas comerciais. A Carochinha já não acha uma moedinha ao varrer o chão, mas sim o cotão nosso de cada dia, e assim, tadinha, há de morrer solteira.


O Pedrito Coelho, já não sai da casita arrumada e aconchegada para novas aventuras, sendo tamanha a  vergonha do enxovalho que o seu nome tomou por causa de um energúmeno humano, que de cagada em cagada difamou o pobre bicho do conto de Beatrix Potter.
Já nem o Pai Natal escapa da crise, mal fadada sorte que nem uma Popota o valha com a greve dos estivadores, ou o subsídio de Natal que se perdeu, nem para as duodécimas miseráveis.


Ali Babá na mais profunda depressão anda a Prozac já que tomaram-lhe o lugar sem pagar direitos de autor, nem Sherazade conta estórias, já que a Asae fiscalizou o local e ela não tem licença para esse tipo de prestação de serviço. A avó do Capuchinho Encarnado viu a sua pensão de sobrevivência aumentada em 1 euro e não aguentou tamanha emoção, morreu, deixando a neta sem pretexto para visitar o Lobo Mau...


... e anda a Alice do Outro Lado do Espelho a procura de uma vaga na casita dos Três Porquinhos, já que agora foge da Rainha bipolar e que não pode aviar a receita da farmácia, nem dos remédios que necessita para viver.

Eu sei, parece-vos a maior besteirada que já leram neste blog. Mas ao caminhar pelas ruas da cidade onde vivo, ao olhar para os olhos das pessoas que andam na rua... dei-me conta do quanto fui feliz de ter tido uns padrinhos (oficiais e honorários) fantásticos, um avô Tista que montava uma árvore de Natal mesmo contra a vontade dos meus pais, só pra mim... e que tive a grande sorte, entre castigos e ralhetes de ter uma infância como deve de ser: com sonhos e fantasias...traquinices e muita inocência.

... e que dei aos meus filhos, enquanto crianças, a mesma dose de fantasia, apesar de tudo.

Apareçam

Rakel.

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